O moderno painel de Osmar Pinheiro Jr. está inserido harmonicamente na rústica arquitetura da Capela do Espaço São José Liberto, prédio erguido em 1749, pelos frades capuchos de Nossa Senhora da Piedade, para abrigar o convento de São José. Considerado, hoje, referência cultural, turística, comercial e do patrimônio arquitetônico de Belém, o espaço passará por uma grande revitalização, com destaque para o trabalho de recuperação dos desgastes mecânicos, ambientais e temporais sofridos pela tela que compõe o ambiente da Capela, tendo à frente o restaurador e artista plástico Sérgio Mello, diretor do Museu Histórico do Estado do Pará (MHEP).
“É um prédio belíssimo, datado do século XVIII, que tem uma obra moderna: é o diálogo entre o antigo e o moderno”, ressalta Sérgio Mello, que visitou as instalações do São José Liberto no início desta semana para verificar o estado do quadro, a pedido do secretário de Estado de Cultura, o arquiteto Paulo Chaves, e da diretora executiva do Instituto de Gemas e Joias da Amazônia, Rosa Helena Neves.
Atendendo a um convite da diretora do Igama – instituição que gerencia o São José Liberto, por meio de um contrato de gestão com a Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração (Seicom) - na semana passada Paulo Chaves, acompanhado de vários profissionais da Secretaria de Cultura (Secult), fez uma visita técnica ao Espaço.
Mesmo com a cotação da tela no mercado de Arte, em torno de R$ 150 mil, segundo informou Paulo Chaves durante a visita, o valor da obra é inestimável.
Homenagem - Sérgio Mello lembra que este foi um dos últimos trabalhos do paraense Osmar Pinheiro (falecido em 2006), integrando a coleção elaborada em homenagem à cidade de Belém. O painel, segundo o restaurador, retrata a “memória” de fragmentos da Rua 16 de Novembro, próxima ao prédio do São José Liberto, e também faz referência aos capuchinhos, na imagem dos três cálices presentes no desenho abstrato.
Com cerca de 2m de altura por 3m de largura, a tela foi pintada em 2000, com técnica mista, identificada no brilho e nos tons predominantes de prata e lilás, sobre suporte de tecido. Em 11 de outubro de 2002, data de inauguração do São José Liberto, a obra foi colocada na Capela, na parede abaixo do altar com a imagem estilizada do Cristo, e perpendicular a um pequeno tablado, onde são realizadas missas, cultos ecumênicos e espetáculos artísticos, especialmente musicais.
A experiência de Sérgio Mello na área de restauração de obras de arte inclui as revitalizações das pinacotecas da Secretaria de Estado de Transportes (Setran), Assembleia Legislativa (Alepa) e Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Trabalhos significativos que envolveram todo o acervo das instituições, com técnicas como óleo sobre tela, vidro, painéis em acrílico e pastilhas.
Avaliação - “Inicialmente, a minha vinda aqui foi para examinar o estado de conservação do quadro, que está, realmente, sofrendo por conta de muitos agentes. O primeiro de todos seria a ação humana: a tela está colocada em um local onde há um grande trânsito de pessoas, o que está provocando uma ação mecânica sobre o quadro, além da ação dos flashes das câmeras fotográficas. As pessoas chegam a se encostar no quadro”, explica Sérgio Mello.
Como consequência desta ação, ocorreu o descolamento da camada pictórica em alguns pontos e a perda da policromia, o que afeta e reduz o efeito original da técnica utilizada pelo artista.
A umidade natural do local, intensificada pela salinidade das paredes de pedra (erguidas com areia de praia), bem como a ação direta dos raios ultravioletas sobre a tela, que atravessam a parede de vidro na fachada da Capela, são outros fatores que afetam diretamente a conservação da obra, na avaliação do restaurador. “A luz age sobre a camada de policromia do quadro e, aos poucos, a tendência é que ele vá perdendo a cor, sumindo e se descaracterizando. Havia, originalmente, uma intenção de que a obra produzisse esse efeito, mas não exagerado, como está acontecendo”, ressalta.
Em fase inicial de avaliação, ainda não há previsão do tempo de duração desse trabalho, já que a restauração da obra de Osmar Pinheiro envolve a revitalização da Capela, para adequá-la às necessidades de manutenção da tela. Sérgio Mello conta que já conseguiu fotos antigas da obra para fazer o comparativo durante a restauração.
Um trabalho com essa dimensão, acentua o restaurador, deve ser feito com muita humildade, tentando pensar sempre como o autor, buscando a originalidade. “É justamente isso que nós vamos fazer nesse trabalho. Fazer a obra voltar à originalidade, dependendo dos exames que vão ser feitos ainda, para que possamos ter uma extensão do que deverá ser executado. Mas, antes, vamos fazer um diagnóstico das enfermidades achadas, que vão ser anotadas para posterior proposta de tratamento, e assim salvaguardar esta obra”, finaliza.
“Podemos dizer, sem sombra de dúvida, que a tela de Osmar Pinheiro é mais um tesouro que o Espaço São José Liberto abriga, juntamente com as gemas, as joias, o artesanato e toda a efervescência cultural e criativa dos demais artistas que passam por aqui. Por tudo o que esse artista representa para as artes plásticas do Pará, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração, em parceria com o Igama, assume o compromisso de restaurar a tela de sua autoria, e de garantir sua preservação conforme as orientações do secretário Paulo Chaves e da equipe de restauradores da Secult. Essa será nossa homenagem à memória de Osmar Pinheiro”, ressalta Rosa Helena Neves.
A necessidade de restauração da obra, assim como de alguns pontos do Espaço São José Liberto, foi detectada pelo secretário de Estado de Cultura, Paulo Chaves Fernandes, durante a visita técnica feita ao espaço no último dia 13 de junho, junto com uma equipe de profissionais da Secult.
A visita, solicitada pela diretora Rosa Helena Neves, teve por objetivo ouvir a avaliação sobre o estado de conservação do São José Liberto, feita por Paulo Chaves, arquiteto responsável pelo projeto arquitetônico e de restauro, e ainda pela ampliação e fiscalização do São José Liberto.
Trajetória - O pintor paraense Osmar Pinheiro Jr., que nasceu em Belém, em 1950, e morreu em São Paulo, em 2006, foi professor de Artes na Universidade Federal do Pará (UFPA), entre 1973 e 1986. Também foi um dos criadores da Galeria Um, espaço dedicado à produção, distribuição, ensino e intercâmbio artístico.
Osmar fez Mestrado em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), e viveu em Berlim (Alemanha) como bolsista da Fundação Guggenheim. Osmar Pinheiro participou de bienais em São Paulo e Havana (capital de Cuba). Sua última mostra individual foi “Osmar Pinheiro: esquecimento e memória”, no Museu de Arte de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
Entre os vários prêmios conquistados, estão o 4º prêmio do I Salão Cultural do Estado do Pará (1966), e o 1º prêmio do Salão Banco Lar Brasileiro, em Belém. Entre 1982 e 1986, representou o Pará no II Simpósio Nacional de Artes Plásticas, em Olinda, Pernambuco. Criou um projeto para a Fundação Nacional de Arte (Funarte) sobre a visualidade amazônica, e foi membro da Comissão Nacional de Artes Plásticas.
Em 1985, Osmar realizou sua primeira exposição individual, na Galeria Arte Liberal, em Belém. No ano seguinte, mudou-se para São Paulo. Em 1988, recebeu a bolsa da Fundação Guggenheim, de Nova York, e fez parte do workshop Berlim - São Paulo, com coletiva no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) e no Staatliche Kunsthalle, em Berlim. Expôs seus trabalhos na XXI Bienal de São Paulo, em 1992, e na VI Bienal Internacional de Pintura em Cuenca, Equador, em 1998. Em 2003, criou com o pintor Marco Giannotti a Oficina Virgílio, em São Paulo, núcleo de ensino e pesquisa em arte.
A obra de Osmar Pinheiro Jr. é vista pelos críticos com influências do neoexpressionismo alemão. Admirador da obra do pintor alemão Anselm Kiefer, suas telas mostram a utilização de vários materiais, como pigmentos, metais, cera e pedras, e as referências à história, aos mitos e às religiões.
Também sofreu influências do cubismo e do construtivismo. Em sua obra é possível encontrar colagem, utilização da encáustica ou de resina, e cores rebaixadas, geralmente escuras. Segundo os críticos, oscila entre a figuração e a abstração, às vezes com paisagens e partes de corpos, e em outras ocasiões com formas geométricas ou rabiscos.
Segundo o crítico João Cândido Galvão, o trabalho de Osmar Pinheiro tem camadas de tintas que remetem ao tempo e à memória.
Ascom/Igama (com informação dos sites da Galeria Elf e do Itaú Cultural)
Fotos: Igama/Divulgação
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